Faz escuro mas eu canto
Porque
a manhã vai chegar
Thiago de Mello
No horizonte ainda se pode ver a
sobejidão de tons vermelhos e alaranjados, que por estas bandas parecem ser as
cores do crepúsculo desde a infância do mundo a se revelarem sempre na hora
exata da transição entre o dia que ainda não se acabou e a noite que ainda não se
fez. Em pouco tempo a escuridão plena da
noite dominará este pequeno pedaço do mundo, onde já o coração de uma mulher agita-se
em ansiosa expectação. Dentro da humilde casa, sobre a mesa da cozinha, uma
velha lamparina prenuncia a chegada de mais uma noite solitária com sua chama
vacilante e o seu sempre incômodo cheiro de querosene a espalhar-se pelo ar. Todavia,
a noite que se inicia há de ser diferente de todas as outras noites solitárias
por que teve de passar esta mulher, pois não tarda a vir o medo inquietar-lhe o
espírito e fazer-lhe o coração disparar, o corpo regelar e um grito de
desespero escapar do mais profundo de sua alma; e quando houver isto de ocorrer,
sem nada mais que lhe reste fazer, há de sair pelo mundo levando consigo apenas
essa tênue luz de lamparina por companhia, com a qual contará para vencer o
medo do que está por vir e guiá-la na imprecisão dos passos por entre as trevas
de uma noite sem luar, na esperança de que logo venha um novo sol e uma nova
manhã a lhe anunciarem que não há dor nem sofrimento nem tristeza nem solidão
que não se acabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário