domingo, 19 de agosto de 2012

A última noite: Antonio Rodrigues



Faz escuro mas eu canto
Porque a manhã vai chegar

 

Thiago de Mello

            No horizonte ainda se pode ver a sobejidão de tons vermelhos e alaranjados, que por estas bandas parecem ser as cores do crepúsculo desde a infância do mundo a se revelarem sempre na hora exata da transição entre o dia que ainda não se acabou e a noite que ainda não se fez.  Em pouco tempo a escuridão plena da noite dominará este pequeno pedaço do mundo, onde já o coração de uma mulher agita-se em ansiosa expectação. Dentro da humilde casa, sobre a mesa da cozinha, uma velha lamparina prenuncia a chegada de mais uma noite solitária com sua chama vacilante e o seu sempre incômodo cheiro de querosene a espalhar-se pelo ar. Todavia, a noite que se inicia há de ser diferente de todas as outras noites solitárias por que teve de passar esta mulher, pois não tarda a vir o medo inquietar-lhe o espírito e fazer-lhe o coração disparar, o corpo regelar e um grito de desespero escapar do mais profundo de sua alma; e quando houver isto de ocorrer, sem nada mais que lhe reste fazer, há de sair pelo mundo levando consigo apenas essa tênue luz de lamparina por companhia, com a qual contará para vencer o medo do que está por vir e guiá-la na imprecisão dos passos por entre as trevas de uma noite sem luar, na esperança de que logo venha um novo sol e uma nova manhã a lhe anunciarem que não há dor nem sofrimento nem tristeza nem solidão que não se acabe.

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